domingo, 23 de novembro de 2008

Como o Hipertexto se aplica à Literatura?

A partir da integração do computador como instrumento necessário e indispensável no nosso cotidiano, a linguagem “html” (“hypertext markup languages”) acarretou mudanças nas técnicas de produção de textos e nas formas de percepção do leitor. A decodificação dos signos lingüísticos se tornou um processo mutável de recorte, seleção e manipulação, o que possibilita uma multiplicidade de interpretações das produções literárias. A cada leitura ou atualização no ciberespaço, o sujeito leitor pode detectar a introdução de um novo elemento e a construção de uma nova problemática.
As expressões textuais emergentes geraram um novo tipo de narrativa que não possui um enredo dominante ou começo e fim, diferentemente do meio impresso tradicional, uma vez que a leitura obedece a uma seqüência pré-estabelecida pelo autor. A seguir veremos alguns exemplos de como a mobilidade, a interatividade e o dialogismo na literatura eletrônica proporcionam ao leitor uma outra visão acerca da arte escrita.
A ficção eletrônica Patchwork Girl, da autora americana Shelley Jackson, publicada em 1995 pela Eastgate Systems, é um bom exemplo de como o leitor pode participar ativamente da obra, navegando de acordo com suas escolhas e criando seu próprio enredo.
A narrativa, que é construída pela estrutura do hipertexto e se baseia em dois livros, Frankenstein de Mary Shelley e Patchwork Girl of Oz de L. Frank Baum, apresenta uma fábula relacionando o tema corpo-máquina com as características escriturais das poéticas tecnológicas. A história é dividida em cinco segmentos: Quilt, Journal, Graveyard, Story e Broken Accents, e cada um a leva em múltiplas direções através de ligações de partes do corpo de uma mulher por meio de texto e imagem. Na parte Quilt, encontra-se uma mistura de espaços da história criados pela combinação de frases de diferentes fontes. O Journal representa o escrito de Mary Shelley sobre o seu primeiro encontro com a criação feminina. A seção seguinte, Graveyard, consiste numa lista com o nome das várias partes e órgãos do corpo que saem do monstro feminino. Em Story, o monstro passa do século XVIII para o século XX num curto espaço da história, disponibilizando duas versões ao leitor, uma a de amante ou a de monstro. Ambas levam a um final semelhante. E por último, em Broken Accents, a história é levada a cinco ligações distintas e algumas delas irão girar em torno das mesmas repetidamente. Contudo, o leitor poderá optar por uma ligação e criar sua história.
Outro exemplo de simulação e interatividade é site CiberPoesia, onde o leitor possui múltiplas formas de interação. A home page é dividida em duas partes principais, ciberpoemas e poesia visual. Na primeira parte, é possível notar o dinamismo do espaço para o internauta. Ele pode montar seus próprios poemas, ler de diversas formas uma mesma frase, como está exemplificado no computador intitulado Van Gogh, ou interpretar os sons e a disposição dos poemas mostrado no computador sete, por exemplo. Já na parte dos poemas visuais, a mobilidade das imagens e a configuração das frases transmitem ao leitor a idéia de dinamicidade, rompendo com a lógica estática e linear dos livros de poesia. Ali também encontramos sugestões para outros sites, reafirmando a relação estruturada em rede, ligada por links.
No meio impresso também podemos destacar exemplos de literatura hipertextual, porém as dificuldades de romper com as linearidades acabaram por gerar obras limitadas. Entre eles, “O Jardim das veredas que se bifurcam”, de Jorge Luiz (1982), um romance que tenta integrar vários enredos e resoluções possíveis, e “Rayuela”, de Julio Cortazar (1966), em que o leitor tem a possibilidade de escolher diferentes versões de uma mesma história. Apesar da tentativa, segundo Sérgio Luiz Prado Bellei em seu artigo Hipertexto e Literatura, o leitor de Cortazar pode apenas imaginar um número limitado de versões alternativas da história, enquanto que no conto de Borges o próprio autor nega as possibilidades da escolha do enredo ao concluir o texto com um assassinato.
Desta forma, percebemos que o meio impresso possui grandes dificuldades na utilização do recurso do hipertexto. Já a mídia eletrônica pode exagerar na construção de narrativas sem fechamento graças aos recursos disponibilizados pelo computador.

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